“Dar oportunidade, isso sim é relevante. Outras mulheres podem se destacar na área ambiental na medida em que forem incluídas em processos de construção, de participação, de decisão. Não é possível dar um passo à frente sem que te abram portas.”
Falar com Anazélia Tedesco durante um final de semana como este é, literalmente, uma missão impossível. Provavelmente ela e suas amigas estarão “mochilando” em mais uma aventura por montanhas, caminhos de terra, no mar ou em picos, quase no ar. “Divido meus dias entre a minha profissão, a biologia, e a prática de montanhismo e atividades em comunhão com a natureza”. Este hobby, levado a sério por Anazélia, deu origem ao “Mochilando com Elas”, Blog que conta um pouco das aventuras dessa turma, que tem em comum a paixão pelos esporte de aventura e natureza, além do fato de serem mulheres!!
Anazélia é nascida e criada no norte do Espírito Santo, no interior de Pancas, terra do Monumento Natural dos Pontões Capixabas. A terra de origem e a criação junto a meio rural explicam a paixão pela natureza e a vida de aventura. “Sou filha de pais agricultores e criada na ‘roça’. A escolha da profissão foi um caminho natural”.
A bióloga conta que depois de formada, nas primeiras experiências profissionais com gestão de unidades de conservação, teve contato com comunidades tradicionais intimamente ligadas a produtos do mar e da floresta, como é o caso das paneleiras de Goiabeiras, que utilizam – há centenas de anos – o tanino da Rhizophora mangle para tingir as panelas de barro produzidas artesanalmente. “A partir da observação da relação quase simbiótica entre as paneleiras e o manguezal me convenci de que o trabalho com a temática ambiental pode ter um papel transformador acerca da visão do ser humano em relação à floresta.”
Atualmente ela está como Especialista em Políticas Públicas de Meio Ambiente e Gestão Governamental na Secretaria de Estado de Meio Ambiente e Recursos Hídricos do Espírito Santo, no âmbito do Programa Reflorestar. O programa tem como foco a restauração de paisagens florestais e atua por meio do fomento a pequenos proprietários rurais no estado. A restauração de florestas nativas e a implantação de atividades que valorizem os produtos da floresta são o norte desse processo, que tem ainda o viés econômico por meio de modalidades produtivas, como os sistemas agroflorestais e os sistemas silvipastoris.
Na série de perguntas que o PACTO fez a essa Bióloga ela conta que encontrou algumas barreiras ao longo de sua carreira, e nos deixa ainda mais perguntas e questionamentos sobre equidade, oportunidades e restauração.
PACTO: Você encontrou alguma barreira ou oportunidade condicionada a gênero?
Anazélia: É mais comum que encontremos barreiras que oportunidades. Ainda na universidade, em contato com museus de todo o mundo para empréstimo de material para utilização no meu mestrado, escutei no laboratório onde trabalhava que ‘para uma mulher é tudo mais fácil’. Essa foi a conclusão, após eu receber muitas respostas positivas dos museus a quem eu pedia empréstimo. Na verdade, acredito que as respostas positivas se deviam muito mais à capacidade de comunicação e polidez do que a uma suposta vantagem conferida às mulheres –. Já no meu primeiro emprego formal como bióloga, passei alguns meses sem que me fossem delegados trabalhos de campo, já que essa atividade era destinada preferencialmente aos homens, por conta do estereótipo masculino ligado à força e ao feminino ligado à fragilidade.
PACTO: Você tem um papel de liderança na área e região onde atua. Como chegou onde está hoje?
Anazélia: Aqui é importante dizer: meritocracia não existe. Nada que eu tenha feito pessoalmente me conduziu de maneira especial à posição em que estou. Como cheguei onde estou hoje? Me foi dada a oportunidade. Dar oportunidade, isso sim é relevante. Outras mulheres podem se destacar na área ambiental na medida em que forem incluídas em processos de construção, de participação, de decisão. Não é possível dar um passo à frente sem que te abram portas. Não há nada de errado com outras profissionais de meio ambiente que não estejam engajadas em programas e projetos nos quais almejariam estar envolvidas. Não lhes falta competência, não lhes falta preparo. Falta-lhes oportunidade. Precisamos incluí-las, chamá-las a participar, delegar atividades, confiar a elas a condução de trabalhos, permitir o acesso a informações estratégicas, considerá-las para posições de chefia e cargos de decisão.
PACTO: O que podemos fazer para alcançar a igualdade de oportunidades para mulheres e homens na área ambiental?
Anazélia: Devemos começar a olhar para nossas próprias equipes e instituições, buscando igualdade quantitativa, mas também qualitativa em relação a gênero. Não basta ter o mesmo número de homens e mulheres nas nossas instituições e nos diversos fóruns que ocupamos. Estas mulheres estão sendo igualmente assistidas pela instituição? Elas têm as mesmas oportunidades? São envolvidas em demandas igualmente relevantes para instituição? Elas têm acesso às informações de que precisam? Elas têm autonomia para representar a instituição e se pronunciar como tal? Precisamos começar a nos fazer essas perguntas. E agir a partir das respostas que sejam negativas. A partir da mudança dessa realidade poderemos alcançar igualdade de oportunidades para mulheres e homens na área ambiental.