“Falar da vida Guarani é como beber de uma fonte inesgotável de vida, o difícil mesmo é escrever sobre o tema, pois da fonte bebemos a água, a escrita é apenas uma ilustração da água… e não mata a sede…”
Assim começa uma deliciosa conversa entre Kerexu Yxapyry, liderança indígena, e Andrea Oliveira, uma das fundadoras do Instituto Çarakura, uma organização não-governamental, fundada em 11 de março de 2007, em Santa Catarina. Andrea também faz parte do grupo de diversidade, além de ser uma liderança na área de educação ambiental, e por essa entrevista mostra por que tem toda nossa adimiração e respeito.
Por Andrea de Oliveira, Florianópolis SC
Faço minhas, as palavras de “Kerexu Yxapyry, liderança indígena Mbya Guarani da terra indígena Morro dos Cavalos – Palhoça SC, cuja história vou contar brevemente…
Ela é gestora ambiental formada pela UFSC, professora da escola indígena Tekoa Itaty, integrante do grupo “Kunhangue Rembiapó” de mulheres indígenas Guarani e fundadora do Centro de Formação Tataendy Rupa… Mãe, irmã e guerreira… Uma mulher que inspira e traz força em especial para as mulheres guarani e para todos aqueles que buscam o verdadeiro espírito da vida com serenidade e valentia…
“Nasci e me criei na mata… a vida na floresta é a única vida que eu conhecia… As minhas dificuldades iniciaram aos 8 anos, quando tive que ir para escola e conhecer o mundo de fora…”
Kerexu é filha mais velha de Adão Karai Tataendy Antunes e Jaxuca Rete.
Assim que ela nasceu, seu pai sabia que ela teria a missão de freqüentar os dois mundos… O mundo de dentro e o mundo de fora, pois desejava prepará-la para enfrentar o futuro diante das dificuldades que o povo guarani vive desde a chegada dos europeus… E assim foi… No mundo de fora conheceu “a escola” e logo aprendeu a ler e escrever perfeitamente, a receber e a transmitir as informações… No mundo de dentro, com grandeza infinita, sempre trabalhou com as mulheres e com as crianças, transmitindo pensamentos e ensinamentos que lhe foram passados por seus pais e seus ancestrais, em rituais dentro da casa de reza ou nas salas de aula da escola…
Em 2011 Kerexu Yxapyry ingressou na Universidade Federal de Santa Catarina na primeira turma do curso de Licenciatura Intercultural Indígena do Sul da Mata Atlântica com o objetivo de conhecer e entender as leis do mundo de fora para ajudar seu povo na questão que considera o grande propósito da sua vida: “A homologação da terra indígena Morro dos Cavalos”. O contato e a integração com outras etnias fortaleceram o propósito e o com o apoio da universidade a questão ganhou grande visibilidade. Kerexu passa a ser a grande referência no assunto, pois dialoga sobre a sacralidade do território indígena com bases bem fortes nas leis que passou a entender, dominar e utilizar em defesa do seu povo.
Em 2012 uma grande surpresa: Kerexu foi indicada por unanimidade para ser a Cacica da aldeia Morro dos Cavalos e preparada em rituais religiosos. “Nhanderu”, a divindade suprema Guarani, lhe concedeu o “Espírito da Liderança” e o “Espírito do Poder”.
No inicio do novo ciclo Kerexu passa a enfrentar os desafios do mundo de dentro; o cacicado guarani é formado por 20 lideranças historicamente masculinas e a partir de então a história muda… Agora são 19 homens e uma mulher.
Por grande respeito às lideranças de seu povo, Kerexu inicialmente não se colocava diante do cacicado para propor ou expor seus pontos de vista, participando de forma passiva e tímida… Sentiu na pele a resistência e até mesmo certa discriminação simplesmente pelo fato de ser uma mulher… Mas esta situação não se prolongou por muito tempo, pois os caciques foram percebendo que quando Kerexu acompanhava qualquer reunião tudo era diferente… Ela conversava muito bem, argumentava, defendia e era ouvida… A pequena grande líder conquistou um espaço histórico no cenário das causas indígenas… Dialogou com secretários, governadores, deputados, ministros e até mesmo com a presidente Dilma, passagem que considera uma das maiores decepções em sua caminhada, pois imaginou que a presidente teria um olhar sensível a causa e assinaria a homologação do território indígena Morro dos Cavalos…
Mas não o fez… E assim esta luta continua até os dias de agora…
“Gotas de Orvalho”, esta é tradução do nome Kerexu Yxapuru… Esta admirável mulher guarani que recebeu a alguns dias da Assembléia Legislativa de Santa Catarina uma homenagem em reconhecimento ao trabalho de proteção dos biomas da Mata Atlântica…
Para encerrar, pergunto a Kerexu: O que representa a floresta para você?
Ela responde: A manifestação de toda a criação sagrada de Nhanderu… As plantas, a água, os animais, nós… Somos como uma família, quando fazemos mal a floresta estamos fazendo o mal a nós mesmos e a nossa família… Quando precisamos usar qualquer coisa da floresta pedimos permissão a Nhanderu… Quando cuidamos da floresta, cuidamos da nossa família e de nós mesmos…
Che maitei rory maymavápe!
(Minha cordial saudação a todos!)