A educadora ambiental encerra nossa temporada de entrevistas dos “Craques da Restauração”.

Suzana Pádua: “se é a humanidade que tem causado tanta perda aos ambientes naturais, é ela que precisa ser sensibilizada a reverter os cenários de degradações.”

CRAQUES DA RESTAURAÇÃO: presidente do Instituto de Pesquisas Ecológicas destaca a necessidade de adequar o diálogo com proprietários rurais através da educação ambiental para ampliar possibilidades de restauração.

A educadora ambiental encerra nossa temporada de entrevistas dos “Craques da Restauração”.
A educadora ambiental encerra nossa temporada de entrevistas dos “Craques da Restauração”.

Recebemos no mês de Março a educadora ambiental Suzana Pádua para concluir a temporada de entrevistas “Craques da Restauração”.

Suzana, que é presidente e co-fundadora do IPÊ (Instituto de Pesquisas Ecológicas), narra como se deu sua trajetória de aproximação com o tema da restauração e propõe uma reflexão sobre como podemos potencializar as formas de comunicação para atingirmos públicos diferentes tendo a restauração como o objetivo central: “O fato é que a restauração veio para ficar!”

Confira:

Como você se aproximou da restauração ecológica e quais suas principais experiências no setor?

A restauração florestal, a princípio, foi uma consequência de um objetivo mais amplo de nossa instituição, o IPÊ – Instituto de Pesquisas Ecológicas. A primeira missão do pequeno grupo que deu origem ao IPÊ em 1992 era salvar o mico-leão preto, na época listado pela IUCN como uma das dez espécies mais ameaçadas de extinção do mundo. Os estudos ecológicos realizados geraram informações importantes sobre como viviam os micos e o que era necessário para sua sobrevivência nas florestas semidecíduas no estado de São Paulo, único habitat da espécie, também em risco de desaparecer. Desses estudos emergiram necessidades como educação ambiental, restauração da paisagem e a influência de uma política pública, como a criação de uma nova Unidade de Conservação, a Estação Ecológica Mico-Leão Preto. 

Iniciei minha trajetória em educação ambiental, divulgando os estudos de campo em linguagem acessível para crianças e adultos, sempre valorizando as maravilhas da natureza regional, tendo o mico como espécie símbolo. Em seguida, começamos a envolver as comunidades locais com alternativas de renda e melhoria de vida. A região tornou-se palco de assentamentos da reforma agrária, e os riscos para a conservação pareciam intransponíveis. Mas foi com essa população que começamos de fato a restaurar o oeste paulista, conhecido como Pontal do Paranapanema.

A Ciência sempre foi a base para ação e um resultado significativo foi a elaboração do “Mapa dos Sonhos”, que projetou em detalhes onde deveriam ser as áreas prioritárias no processo de restauração. Isso inclui planejamentos regionais com participação de todos os segmentos, e para isso promovemos as “Eco-Negociações: um Pontal bom para todos”, fóruns participativos que visam alinhar conhecimentos e envolver todos a criarem práticas de transformação socioambiental. Foram também oferecidos workshops para os assentados que se interessaram em aprender a cuidar de viveiros de mudas de árvores nativas, além de como plantar, por que plantar e quais os benefícios que as florestas trazem ao longo do tempo. Hoje existem oito viveiros independentes, que fornecem mudas para projetos de restauração florestal e outros clientes dos mais diversos. 

O “Mapa dos Sonhos” definiu os melhores locais onde corredores de matas poderiam ser plantados para conectar os fragmentos remanescentes e, assim, dar maiores chances a animais como os micos e todos os demais que não se aventuram a sair da floresta a se perpetuarem, evitando efeitos negativos de consanguinidade pelo isolamento, aumentando as chances de sobrevivência tanto para o mico, quanto para outras espécies. Além disso, os Sistemas Agroflorestais (SAFs) têm sido adotados por melhorar a alimentação dos pequenos produtores, servindo ainda como trampolins ecológicos para animais dispersores de sementes, enriquecendo a paisagem como um todo.

Proprietários de fazendas maiores aderiram mais recentemente. A obrigatoriedade de se manter 20% da terra coberta por florestas na Mata Atlântica contribuiu para aumentar o interesse, mas também a viabilidade de benefícios econômicos, devido à procura por carbono que explodiu nos últimos anos. Essa combinação tem levado a restauração a um patamar exponencialmente maior, com assentados entrando nas grandes fazendas, não mais para ocupar, mas para plantar floresta, como diz com orgulho, o coordenador dos Corredores de Vida, Laury Cullen Jr.

O IPÊ plantou e contribuiu para a regeneração natural nessa região com mais de 6 milhões de árvores em 3.000 hectares com 1 milhão de toneladas de carbono sequestrados em 30 anos. E o plano é que chegue a 15 milhões de árvores em 10 anos. As parcerias com o setor privado deram uma alavancada imensa nesse processo, já que o reconhecimento da importância da restauração hoje é inegável.

Além da região do Pontal do Paranapanema, o IPÊ hoje restaura as paisagens com plantios que imitam as matas nativas no Sistema Cantareira, em São Paulo, corredores do Espírito Santo e Bahia e inicia projetos também na Amazônia. Cada região é tratada com suas especificidades, mas sempre com participação social e base em conhecimentos científicos que são produzidos na medida em que os projetos se desenvolvem. O fato é que a restauração veio para ficar!

O que você espera da Década das Nações Unidas da Restauração Ecológica (2021-2030) na Mata Atlântica e no combate à mudança climática?

É inegável o papel das florestas e demais biomas naturais para o equilíbrio planetário e as mudanças climáticas com seus efeitos observados em toda parte do planeta. Tem se tornado cada vez mais evidente que muito precisa ser feito para evitar avanços nas perdas e restaurar áreas degradadas. A Década da Restauração é uma chamada sumamente importante que precisa ser divulgada e acatada por tomadores de decisão de toda parte do mundo. Os países ricos dependem da restauração de países menos favorecidos que contém grande concentração de biodiversidade. Essa compreensão, mesmo sendo comprovada cientificamente, precisa de adesão maciça e as Nações Unidas podem contribuir para essa compreensão. O endosso e incentivo de um órgão do calibre das Nações Unidas traz credibilidade às iniciativas na ponta, que é onde muito acontece, e aumentam-se as chances de se dar celeridade à implantação de programas mais ambiciosos que ajudem a regenerar o planeta.

Como a educação ambiental pode ser uma ferramenta para o engajamento de proprietários rurais na restauração?

Se é a humanidade que tem causado tanta perda aos ambientes naturais, é ela que precisa ser sensibilizada a reverter os cenários de degradações. Isso inclui todos os segmentos, seja governos, setor privado e sociedade civil.

Historicamente, os grandes proprietários de terras se posicionavam como alheios a problemas que muitas vezes causavam, e os argumentos eram de que produziam alimentos e outros bens para a coletividade. Essa era uma desculpa aceitável para atos como desmatamento, contaminação de terra, perda de solo e outras agressões ao meio ambiente. Hoje, se vê uma mudança bastante promissora por parte de grande parcela dos proprietários de terras, que vai além da compreensão do que se passa no planeta. As chances de se obter lucro com o plantio em larga escala traz também incentivo. Mas os pequenos proprietários têm sido chave nesse engajamento. Isso porque são mais acessíveis a troca de ideias, têm menos possibilidades de acesso a alternativas rentáveis e querem muito melhorar de vida por meio de práticas com a terra.

Sendo assim, são dois segmentos de públicos que precisam ser tocados e ambos são importantes para se reverter o quadro de degradação à regeneração. A linguagem para se chegar a cada um pode ser diferente, mas o objetivo é similar. O envolvimento de todos com a valorização do papel de cada um se faz necessário, mas o caminho tem sido sempre de troca de ideias com respeito, escuta sensível e busca de soluções que beneficiem gente e natureza e agradam a todos. A junção de conhecimentos e valores, base para qualquer programa de educação ambiental, deve guiar as iniciativas também com os proprietários de terras. Como passar as informações pode variar, mas a busca por participação e engajamento é chave para se obter resultados consistentes.

* A série Craques da Restauração é uma iniciativa do Pacto pela Restauração da Mata Atlântica para valorização das personalidades ligadas ao histórico e às iniciativas de recuperação do bioma. Siga acompanhando pelos canais digitais do movimento!

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