CRAQUES DA RESTAURAÇÃO: primeira entrevistada de 2024 destaca que iniciativa privada desempenha papel estratégico na restauração, formando parcerias com pesquisas científicas, liderando investimentos e gerando soluções inovadoras.
Convidamos Virginia Camargos, representante da Veracel Celulose S/A no Conselho de Coordenação do Pacto pela Restauração da Mata Atlântica, para estrear a série “Craques da Restauração” em 2024.
A entrevistada, que possui graduação em Ciências Biológicas (Faculdades Metodistas Integradas Izabela Hendrix) e é mestra e doutora em Botânica (Universidade Federal de Viçosa), tem experiência na área de Botânica com ênfase em ecologia vegetal, atuando principalmente em fitogeografia e ecologia de paisagem.
Em nossa conversa, Virginia Camargos comenta que trilhou uma jornada intensa de pesquisa, aprofundando sua compreensão das complexidades da restauração em diferentes biomas, concentrando esforços na seleção de espécies e no planejamento paisagístico. Sua atuação incluiu parcerias inovadoras com instituições de pesquisa e organizações não governamentais, acreditando em uma abordagem holística que considera aspectos biológicos, sociais e econômicos.
Confira a entrevista na íntegra:
Como você se aproximou da restauração ecológica e quais suas principais experiências no setor?
Ao longo de mais de 20 anos de carreira, minha jornada de trabalho pela conservação ambiental tem sido um caminho de muita pesquisa, aprendizado e evolução constante, sendo que a restauração ecológica tem sido uma parte importante dessa história.
O início da minha jornada nesse campo ocorreu durante meus estudos acadêmicos, quando desenvolvi uma paixão pela conservação ambiental. No mestrado e doutorado em Botânica, a ecologia e o planejamento de paisagem foram meu carro-chefe e pude estudar situações diversas, como as estratégias das espécies de flora para questões de alagamentos temporários e o efeito do fogo em fragmentos de Mata Atlântica impactavam na conservação ambiental. Concentrei esforços em compreender a resiliência dos ecossistemas e na busca por estratégias eficazes para mitigar os efeitos adversos, além de estudar formas de proteger os ecossistemas com projetos de monitoramento e de avaliação de áreas degradadas, buscando compreender os processos ecológicos que levam à perda de biodiversidade. A partir dessas análises, comecei a perceber a importância da restauração ecológica como uma ferramenta fundamental para reverter os danos ambientais.
Na Veracel, coordenei projetos de formação de corredores ecológicos no bioma cerrado e na Mata Atlântica. Vi que a restauração em diferentes biomas pode ser uma aliada para enfrentar desafios únicos da regeneração. Essas experiências me proporcionaram uma compreensão mais profunda das complexidades envolvidas na restauração, desde a seleção de espécies adequadas até o planejamento da paisagem, considerando os fragmentos florestais existentes. Uma parte essencial do meu trabalho tem sido o desenvolvimento e implementação de estratégias inovadoras para restauração, muitas vezes envolvendo parcerias com instituições de pesquisas, organizações não governamentais e com o próprio setor privado. Acredito na abordagem holística da restauração, considerando não apenas os aspectos biológicos, mas também os sociais e econômicos, garantindo assim a sustentabilidade a longo prazo.
Trabalhar no setor de árvores plantadas me permitiu entender mais profundamente a importância dos corredores ecológicos que unem os fragmentos de mata nativa, inclusive com os próprios plantios de eucalipto servindo como corredores para a fauna e flora. Observando o impacto da fragmentação da vegetação no Sul da Bahia, percebemos a necessidade de restaurar áreas da região para ampliar estes corredores ecológicos. A implementação do Programa de Restauração da Veracel, desde 1994, e a restauração bem-sucedida de mais de 8 mil hectares destacam-se como experiências significativas. A adoção de estratégias como a nucleação e o uso de indicadores para avaliar a qualidade da restauração também têm sido parte integrante do processo, que segue em constante evolução.
Ao longo desses anos, aprendi que a restauração não é apenas uma disciplina científica, mas também uma prática que exige sensibilidade social e uma abordagem integrada para alcançar resultados duradouros.
O que você espera da Década das Nações Unidas da Restauração Ecológica (2021-2030) na Mata Atlântica e no combate à mudança climática?
Vejo a Década das Nações Unidas da Restauração Ecológica como uma oportunidade crucial para impulsionar iniciativas significativas na Mata Atlântica e no enfrentamento das mudanças climáticas, tendo em vista que o seu objetivo principal é justamente catalisar esforços internacionais para restaurar ecossistemas degradados, incluindo florestas, áreas úmidas, rios e outros habitats naturais. O compromisso global pode catalisar esforços coordenados para a recuperação de ecossistemas vitais, promovendo a reconexão de fragmentos florestais e a reintrodução de espécies nativas, fundamentais para a resiliência do ecossistema.
Creio que todos os especialistas em meio ambiente também esperam ver políticas eficazes sendo implementadas, respaldadas por investimentos substanciais em pesquisa, monitoramento e educação ambiental. A conscientização e a participação da sociedade são fundamentais para o sucesso dessas iniciativas, e a Década oferece uma plataforma única para aumentar a compreensão pública sobre a importância da restauração ecológica.
Assim, penso que a Década das Nações Unidas da Restauração Ecológica pode ser um catalisador para a transformação positiva na Mata Atlântica, oferecendo uma oportunidade única para restaurar ecossistemas vitais e construir um legado duradouro de conservação para as gerações futuras.
Quais são o papel e a importância da iniciativa privada na Restauração de Ecossistemas?
A iniciativa privada desempenha um papel crucial e estratégico na restauração, uma vez que as empresas fazem parte de várias esferas (coalizões, associações, fóruns de discussões, dentre outros espaços) que contribuem significativamente para o sucesso destas iniciativas. As empresas têm ainda a capacidade de mobilizar recursos financeiros substanciais, bem como tecnologias inovadoras que podem acelerar e aprimorar os esforços de restauração. Tais investimentos podem complementar os recursos públicos, possibilitando projetos de maior escala e impacto.
Além disso, as empresas podem contribuir muito com conhecimento técnico e científico para desenvolver abordagens mais eficazes na restauração por estarem executando programas há anos, como no caso da Veracel, que possui mais de 30 anos de operação florestal. Parcerias entre empresas e instituições acadêmicas podem resultar em soluções inovadoras para desafios específicos. Um exemplo disso é o trabalho da Veracel no uso de bioiscas, como uma alternativa ecológica e natural, em substituição aos formicidas químicos para aplicação em florestas nativas. O resultado dessa pesquisa promovida pela empresa foi bastante promissor e, recentemente em 2023, ampliando o uso para a verificação de sua eficácia na utilização em larga escala, um estudo de grande importância para o processo de restauração, uma vez que a segurança sobre o uso de herbicidas químicos segue sendo um ponto de discussão entre os pesquisadores.
Aproveitando este ponto, destaco ainda que muitas empresas, assim como a Veracel, reconhecem a importância da sustentabilidade para a continuidade de seus negócios e pensar em soluções como as bioiscas, por exemplo, e executar restauração efetivamente, é uma maneira tangível de demonstrar esse compromisso, promovendo práticas empresariais social e ambientalmente responsáveis.
Por fim, é muito necessário destacar que a restauração de ecossistemas não se trata apenas de uma “boa ação” dentro do setor privado. As empresas que já se deram conta que a competitividade anda lado a lado com a sustentabilidade largam na frente de suas concorrentes. Empresas que dependem diretamente dos recursos naturais, como água e matéria-prima, têm um interesse direto em garantir a saúde dos ecossistemas em que operam. Além disso, o engajamento da iniciativa privada não apenas cumpre um papel ambiental, mas também pode ser impulsionado por incentivos econômicos, como o mercado de créditos de carbono, por exemplo.
A série Craques da Restauração é uma iniciativa do Pacto pela Restauração da Mata Atlântica para valorização das personalidades ligadas ao histórico e às iniciativas de recuperação do bioma. Siga acompanhando pelos canais digitais do movimento!